História da Fábrica de louça da Fonte Nova, Aveiro (1882-1937)


Em 1882, para colmatar o desaparecimento da Fábrica do Côjo, três irmãos da família Melo Guimarães instalaram uma nova indústria de cerâmica denominada por Fábrica da Fonte Nova, a poucos metros de distância das ruínas da Fábrica do Côjo.
    Norberto Ferreira Vidal (1843-1886) e Luís da Silva Melo Guimarães (1853-1909) foram fundadores da Fábrica de Louça da Fonte Nova. Desde a década de 1870 que Norberto Ferreira Vidal é indicado como negociante de tecidos, sócio da moagem a vapor. Não se conhecem as motivações do seu envolvimento na fundação de "uma fábrica de sabão e louça". Parece que no início da década de 1880 a sua situação financeira não era desafogada; a dissolução de uma sociedade para a exploração de um depósito de tabaco deixou-lhe pesados encargos. Ligado pelo casamento a uma família prestigiada — casou com uma sobrinha do presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Sebastião de Carvalho Lima (1821-1896), Norberto Ferreira Vidal é (apesar disso) poucas vezes referido na imprensa local. Da sua intervenção cívica sabe-se que foi um dos fundadores do Grémio Aveirense, em 1884.
   Quatro anos depois, devido à doença que o vitimaria, Norberto Ferreira Vidal cede a sua quota a João Gonçalves Gamelas, um proprietário aveirense, por 2000$000 réis. Esta morte, em 1886, provocaria o abandono do outro sócio fundador, que "vendeu a sua parte e foi para a ilha Terceira exercer as funções de recebedor, para que fora nomeado, em Angra do Heroísmo".
   É nestas circunstâncias que o negociante Carlos da Silva Melo Guimarães (1850-1937) vai tomar-se o único proprietário da fábrica ao adquirir as quotas de Norberto F. Vidal e do seu irmão Luís. Carlos da Silva Melo, então com 36 anos de idade, foi o grande impulsionador desta fábrica de louça e, segundo uma carta sua, publicada por Marques Gomes, terá sido, de certo modo, um dos seus fundadores: "[...] quem levou o meu irmão Luís a fundar a fábrica com o santo do Norberto, fui eu, pois desde muito novo que tive essa inclinação. Antes de meu irmão Luís, estive eu com o falecido Francisco Regala [um oficial do exército] para a fundar, mas como ele não quis continuar com os seus estudos, então foi ele que se deitou à industria de cerâmica, indo eu sempre ao leme, não só na construção da fábrica como também com o meu dinheiro quando lhe faltava."

   Além da exportação de laranja, Carlos da Silva Melo era proprietário de uma fábrica de velas de cera, de um estabelecimento de comércio de cereais e de um depósito de máquinas de costura Memória. Mais tarde envolver-se-ia no negócio do tabaco como representante da Sociedade Portuense dos Agentes de Vendas da Companhia de Tabacos de Portugal. Bem conhecido no meio pelas suas actividades profissionais, pela sua intervenção cívica, como pela origem e ligações familiares, Carlos da Silva Melo Guimarães é uma figura pública. Até 1908 ocupa um significativo número de cargos directivos em agremiações locais (Teatro Aveirense, Grémio Aveirense). Integra várias direcções da Associação Comercial e Industrial e do Sindicato Agrícola do Distrito de Aveiro. Entre os cargos em organismos do Estado refira-se a sua eleição como vereador substituto em 1881 e no biénio de 1883-1885, bem como o de vice-presidente da Comissão Administrativa Municipal no ano de 1908. Foi também membro da Comissão de Recenseamento Eleitoral por mais de uma vez. Mais saliente foi a sua acção, de parceria com Duarte Ferreira Pinto Basto, para a criação da Escola de Desenho Industrial em Aveiro (1893) ou o seu empenho na instituição de uma escola primária na freguesia da Vera Cruz em 1882. Em 1902 é nomeado agente consular da Bélgica em Aveiro.

Por iniciativa do Sr. Carlos Melo Guimarães a Fábrica da Fonte Nova esteve, desde o início, presente em grandes certames nacionais no Porto e Lisboa. Em 1883, participou numa grande Feira -Exposição no Porto, onde os seus produtos foram apreciados, apesar de poucos meses de laboração. A partir dessa data participou sempre nas melhores exposições em Lisboa, ganhando assim, num ápice, uma grande projecção. Em 1894 esteve presente na grande exposição internacional de Antuérpia.
Em Aveiro, no seu décimo aniversário organizou uma exposição de cerâmica, cujo acontecimento fez na época um grande sucesso dentro da indústria portuguesa, e todos os seus produtos ficaram conhecidos e apreciados em todo o país.
Os produtos provenientes da Fábrica da Fonte Nova eram diversificados – vários géneros de louças, faiança grosseira ou faiança fina, pó de pedra para aplicação diversa (doméstica ou construção civil), principalmente para uso na faiança, serviços de mesa, cozinha e lavatórios, material de construção (telha), peças decorativas em grande escala, bem como azulejos artísticos tanto em painéis como em “tapete” (azulejos em grande número, em revestimento parietal, que pela multiplicação de determinados modelos resulta num padrão polícromo. Pode ser rematado com frisos, barras ou cercaduras apresentando-se no seu conjunto total semelhante a um tapete), recorrendo também à técnica da estampilhagem.

Da Fábrica da Fonte Nova, saíram painéis de azulejo que se espalharam por todo o pais através de encomendas específicas ou traduzindo paisagens naturais de Aveiro, bem como monumentos nacionais ou regionais, à semelhança dos painéis que se encontram em algumas estações de caminho de ferro, como por exemplo a Estação de Aveiro, onde se vislumbram “postais ilustrados”. As cores mais utilizadas eram o branco e o azul, contudo por influência das indústrias do Porto, foram utilizadas outras cores, mesmo em azulejos de relevo, como se pode verificar em muitos edifícios aveirenses da viragem do século.
https://ceramicadeaveiro.blogspot.com/2012/08/lavanda-e-gomil-fabrica-da-fonte-nova.html

Dado o nível artístico das suas peças, a exemplo das peças da Fábrica Vista Alegre, eram necessários jovens artistas percursores dos antigos mestres, para continuar a arte. Por portaria datada de 28 de Outubro de 1893, foi criada a Escola de Desenho Industrial de Aveiro, tendo como principal mestre Silva Rocha. Em 1904, depois da Fábrica ter estado algum tempo nas mãos somente de Carlos Guimarães e de ter falido, os três irmãos fizeram uma “tentativa de reajustamento”, através de uma circular, onde era mencionado aos clientes da Fonte Nova que seria instalada uma fábrica de telha “marselha” com máquinas modernas movidas a vapor, denominada Empresa Cerâmica da Fonte Nova.



Em Julho de 1908, dada a degradação da situação económica, a fábrica da Fonte Nova acaba por encerrar. Reabriu em Fevereiro de 1909 sob nova gerência de Manuel Pedro da Conceição e ainda mesmo com a concorrência de outras fábricas mais modernas, principalmente da Fábrica dos Santos Mártires, que foi criada em 1905 por antigos operários da Fonte Nova, conseguiu prosperar com qualidade a nível técnico e artístico por mais três décadas. A Fábrica começou também a ser conhecida por “Fábrica do Manuel Pedro”.
De entre muitos nomes ligados à arte cerâmica, destacam-se Francisco Pereira, Licínio Pinto, Alfredo Mota, Carlos Branco, M. Paulino e António Augusto, os quais a partir das crises de 1904-1908 desta fábrica, começaram a passar de fábrica em fábrica, com o objetivo de um melhor modo de vida, ainda que fora de Aveiro. As empresas, entre criar novos artistas e apostar em artistas feitos, optavam pela segunda opção, criando assim instabilidade e uma concorrência desmedida, originando inconvenientes para o operariado, bem como para a qualidade do produto.
Em 1919, a sociedade volta a conhecer novas e sérias dificuldades. Desentendimentos entre os sócios conduzem à dissolução, ainda que não se conheçam os seus contornos e natureza. Com Manuel Tomás Vieira Júnior saem os dois mais importantes pintores, o melhor modelador e outros trabalhadores com a promessa de constituição de uma nova empresa congénere. Mas, em contrapartida, a fábrica vai passar a contar com o filho do empresário, Manuel Pedro da Conceição Júnior, que estudara pintura no Porto, e com outro jovem da mesma geração, Edmundo Trindade.
A importância daquela fábrica no desenvolvimento da faiança e do azulejo na região é sublinhada pela imprensa local: "A Fábrica de Louça da Fonte Nova, pode dizer-se afoitamente, tem sido o palco onde todos os privilegiados de hoje, espalhados por outras fábricas, fizeram o seu tirocínio, ali aprenderam a ser artistas, e alguns deles de extraordinário renome presentemente."



De facto, é neste ano e no anterior que a fábrica obtém os prémios que exibia na promoção dos seus produtos: em 1921, uma medalha de ouro no Congresso Beirão, em Viseu; em 1922, uma medalha de ouro no Congresso Beirão, em Coimbra; ainda nesse mesmo ano, o grande prémio no Rio de Janeiro.
Em 1927 morre o filho, Manuel Pedro Conceição Júnior, a esperança de continuidade da empresa. Três anos depois morria Manuel Pedro da Conceição e a fábrica permaneceria fechada até 1937, quando um violento incêndio — as instalações eram de madeira — a devorou para sempre
Sem bens próprios, Carlos da Silva Melo Guimarães sai de Aveiro e vai viver com um neto em Santo Aleixo, no Alentejo, onde terminou os seus dias, em 1937.
As faianças da Fonte Nova desde a sua primeira produção pela sua qualidade artística (os painéis de azulejo, as grandes talhas e as peças decorativas a par da louça utilitária),tiveram a consagração que a sua beleza e acabamentos mereciam. Disso são exemplo os painéis de azulejo da Estação de Comboios de Aveiro, os painéis de azulejo do antigo Palacete dos Viscondes da Granja (Casa de Santa Zita de Aveiro), os painéis de azulejo da Casa da Rua Ferreira Gordo 22 em Ílhavo ou os painéis de azulejo da Capela-mor da Igreja paroquial da Murtosa. 




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